quinta-feira, 15 de abril de 2010

ARTE E TERAPIA

                                           Arte- loucura: o universo poético do devir

                                                                               JORGE BICHUETTI

A loucura é um mundo misterioso. À beira do fantástico, ela nos inquieta, pois questiona...
A loucura nos questiona... E nós que vivemos robotizados, de terno cinza; entediados por um cotidiano de repetições... Nós, a mesmisse estranhamos as novidades da loucura.
Nós - as pessoas das sala-de- jantar acostumadas a viver e morrer, nem percebemos que a normalidade instituída pelo status quo é vida medíocre, morte antecipada...
E, assim, infelizes seguimos... Assistimos a vida e ela é tão- somente um script fielmente representado... Não ousamos experimentar, não ousamos criar...
Somos, afinal, boas cópias... Corpo servil, escravo...
Escravos das expectativas alheias... Não somos...
Mas nem tudo, nem todos assim se comportam.
Existem pessoas que se permitem viver, sonhar, criar, amar...
Eles não possuem vergonha de serem felizes ou infelizes... São.
O louco é...
Segundo Freud, eles são criando um substitutivo para a realidade perdida; para Deleuze- Guattari eles são produzindo, criando, alterando e adulterando a realidade, já não desejada; são devires diante de um social e de uma história corajosamente postas em questão.
Loucura - arte, artimanha...
Arte - travessura- uma ruptura com o modo de viver e se relacionar imposto.
Arte - invenção – um experimento real carne e coração, de se explorar o novo e de se emergir singular e plural, de se criar o inusitado.
Loucura: fantasia? Não... É o virtual...
É uma utopia ativa emergente, na turbulência desorganizada e caótica de uma crise.
Loucura – artimanha: arte- manha, e arte- amanhã.
É dengo, demo... É lua cheia, e também, é amanhecer...
Existe vida, e vida intensa, quando se faz da experiência de se investigar e de investigar o mundo um ato de produção.
Dizem: todo artista é, em algum grau, um louco.
Ilusão reacionária de um saber que não consegue ver o comum: loucos e artistas, os revolucionários, os que se negaram ao universo das cópias, do instituído, e se permitem simulacros, seres do devir.
O artista é, se de fato artista,... é um ser do devir.
Esta ressalva se justifica quando se constata a existência de uma arte- cópia, consumo mercantil e servidão ao mundo quadriculado da mídia.
Já se pensou a arte, a produção artística, a partir de um raciocínio binário, raciocínio que dentro de uma lógica maniqueísta a urdia sob os signos do bem e do mal.
Trata-se, no entanto, de se perceber o lugar da arte nos agenciamentos coletivos de produção da vida, do próprio processo de subjetivação dos indivíduos e grupos.
Retomar Spinoza e vê-la, senti-la e vive-la no terreno dos afetos, do afetar-se e ser afetado.
Freud, no mal- estar de uma civilização, nela apenas identificou um recurso de psiquismo de se elaborar, sublimando, um substitutivo para a felicidade não realizada.
Na arte, assim, ele via um conflito, uma trama dolorosa do inconsciente, expressando-se e se realizando mediante uma obra, que deste modo seria um mero retrato dos complexos inconscientes.
Conseguimos hoje descobrir na arte a potência criadora, um inconsciente produtivo.
O artista assim lida com um ofício que o permite re- inventar a vida.
Arte- criação, novidade; a arte como uma construção genuína onde o homem pode se devir, plural e singular,...
Arte- motor, ferramenta; a arte disparando mudança; crítica e provocação...
Arte- afirmação, positividade; a arte expressando o singular e o plural, o virtual e inusitado, o excluído e o diferente num produto que revela e seduz, contagia e delimita alteridade.
Ela, deste modo, é um canal de saúde, a saúde que se ''consiste em inventar um povo que falta''... ''Uma linha de feitiçaria que foge ao sistema dominante''.
Parafraseando Deleuze: cada artista é obrigado a fabricar para si sua língua, sua pintura, sua melodia, sua performace... Ou ainda, o artista, enquanto tal, não é doente, mas antes médico, médico de si próprio e do mundo.
Psicanaliticamente pensando os terapeutas, comumente, investigam na obra de arte a neurose, a psicose ali escondida e revelada.
Outros, usam a arte ocupacionalmente, incentivando doentes a romperem com o tédio e com o ócio da loucura esvaziada dos hospícios.
... Contudo, trata-se de experimentar a potência de vida materializada no processode criação do artista.
Eis, agora, uma nova questão: descobrir na vida da arte a arte de viver, sobreviver produtivamente.
A clínica nos legou duas lições:
- Lição: 1. Quando intervimos monopolizando a terapia com o padrão verborrágico e hiper- racional, quase sempre esclarecemos, clarificamos, codificamos a dor, a queixa, a vida, porém, observamos que poderia da nossa ação se vê minimizado, pois escolhemos uma arma de impacto restrito. Como também, podemos observar que este impacto se intensifica quando incorporamos na nossa ação o uso da poesia, de uma canção ou de um piada.
Explicar este acontecimento parece mais fácil com as recordações da clínica, mas talvez, não seria despropositado lançar por hipóteses: a) o psiquismo não já pode ser compreendido e transformado, quando se desconhece que o sensível o hegemoniza e que ele, assim, já não mais pode ser abordado como se ; homem tivesse nos dias de hoje por essência a construção de si mesmo e o próprio existir moldada pelo universo das representações; b) e a arte traduz o sensível, contagiando; ela desmonta defesas e dispara processos de mudança, porquanto, é, se não cópia- medíocre do modus- viventes hegemônico, a luminosidade (feitiço) de um legítimo acontecimento, que sendo devir provoca o encontro com o novo.
Lição: 2. O dia- a- dia da clínica revela-nos que o ato de criar, de se expressar, artisticamente, faculta ao homem a superação da loucura- doença, conquanto permite a ele fabricar-se para além do pessoal, num devir onde a diferença não se estagna, pois se firma na materialidade de uma estética singular, sendo interlocutora de um novo modo de viver e sentir a vida.
Temos na clínica uma enciclopédia de valorosos inventores que nos comunicam a intervenção terapêutica.
Temos Freud, Jung, Klein, Reich...
Temos Pichón- Riviere, Foucalt, Lapassade, Deleuze- Guattari...
Temos Rodrigué, Baremblitt, Lancetti, Pavylovski...
Temos Lacan, Fannon, Baságlia, Moreno...
Mas temos igualmente: Rita Lee, Chico Buarque, Caetano e Gil, Milton Nascimento...
Temos Cartola, Noel Rosa, Lupiscínio...
Temos Chiquinha, Clementina, Betânia, Gal...
Temos Mangueira... Cazuza...
Fernando Pessoa, Bandeira, Drummond, Mário Quintana...
Temos... Temos...
Todo um universo de poesia e beleza, encanto e encantamento.
Uma enciclopédia inesgotável. Citar estes compêndios de vida e mudança seria impraticável.
Basta- nos, porém, a certeza de que temos muito, muita vida.
Temos a arte dos que fizeram da dor e da alegria um poema de vida e estes poemas ai estão querendo afetar, revivendo os que em seus sofrimentos e cicatrizes reivindicam uma terapia solidária, capaz de se devir ternura.

Um comentário:

Josiane Souza disse...

Amigo, dê uma passadinha em meu blogg.

http://josianeorlando.blogspot.com/