sexta-feira, 8 de outubro de 2010

OS CAPS E OS DILEMAS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

OS DILEMAS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA: PRAXIS MILITANTE VERSUS BUROCRATIZAÇÃO
Jorge Bichuetti,  20/11/09, Congreso Internacional de Salud Mental y Derechos Humanos, Buenos Aires, Argentina.
Pensar o que fazemos no serviço e cuidar numa outra lógica é atentar para a produção do hospício no serviço aberto.
Galeano e sua pergunta – Por que Che está sempre nascendo? Por que dizia o que pensava e fazia o que dizia. Palavras e fatos raramente se encontram, e, se encontram,raramente, talvez   se reconheçem. Hoje, muitas vezes nos serviços substitutivos, necessitamos estranhar as práticas e não nos reconhecermos .
O Brasil tem um novo paradigma, dar conta do fim do hospício, da diminuição dos leitos, da exclusão da loucura, do preconceito. É a clínica do Direito à Diferença, e ela   trazendo-nos novos  o sentidos.
A burocracia é um fator de exclusão, por que dificulta o acesso. A padronização, como por exemplo, do número de usuários do serviço, as normas políticas, fragilizam os projetos. Em contrapartida a isso vem a invenção da construção humana de vínculos, o direito ao acesso, o avanço de trabalhos. E ainda assim é preciso lidar e conviver com a burocracia.
A clínica na reforma psiquiátrica, não é médica, pois esta exclui, sempre há algo a ser corrigido na loucura; é necessário uma clínica de trocas.
O manicômio é mais que um lugar de portas fechadas. É a especialização, a seguimentação, as divisões que limita a comunicação e influenciam no viver da clínica. Para Rotelli, é o lugar de troca zero. Estamos inventando um entre para o diálogo?. O saber de alguém anula o desejo do outro? Porque podemos estarfragilizando as  trocas e reinstituindo o manicômio.
No antimanicomial, a circulação é importante. É proibido entrar na cozinha, mas em casa entramos, temos acesso livre. Os espaços de convivência  quebram a lógica de algo/alguém  que cuida do defeito do outro. Precisa ser rizomatizado, é onde todos são pessoas. É a psicoterapia libertária, oficinas como espaço para arte, cultura, lazer, autonomia, onde se  possa cuidar da dor vivida pelo sofrimento mental na plenitude do exercício transversal da cidadania.
O paradigma da clínica de especialidade, fala da neutralidade. Vínculo é diferente de neutralidade, é ternura, faz sentir que o outro o contém, não no sentido da continência física, mas no da pertinência. Rompe com o cinza e o morto da vida hospitalar. A seriedade e a postura comedida  afasta o outro.
A ética e estética, não é cinza, é “Mangueira” e “Olodum”. A alegria abre perspectivas. Cria coletivo, sem o coletivo na clínica, é impossível pensar.Nele,  todos se sentem pertinentes ao dispositivo de cuidado.
Há o polarizar paranóico onde o outro é meu temor ou  cuidador. O guerreiro, combate o medo e traça condições de vida, não há como desconectar de emergências sociais, dos movimentos, sempre ligados à questão de morte/vida. É preciso haver o lugar da loucura na sociedade, e da sociedade na loucura. Urge discutir a perspectiva  da inclusão, humanização, solidariedade, cidadania. É preciso a coragem do guerreiro: a especialidade fez com que fossemos nos inibindo.
O CAPS não funciona numa perspectiva manicomial. Se assim o for, pode ser um ambulatório ou algo similar, não um CAPS. É algo que tira o homem de uma perspectiva histórica de ofício, repetitiva e alienante. É uma militância contínua. Algo próximo ao que diz Guatarri  “militar é agir”.  E Pichón “não existe cura fora da militância”. Militar é algo que carrega amor, generosidade, um movimento parecido com o de São Francisco de Assis, que foi uma militância no modo de viver e agir, onde suas limitações( se auto-mutilava e ouvia vozes)  não o impediram de viver sua subjetividade com potência de vida;  e não uma militância de decisão programática e  discursiva(autoritária).
O campo de luta das Madres, é a prática solidária real, não se perde a utopia, são sonhos compartilhados (sueños compartidos), sonhos que geram escolas, creches, trabalhos sociais. Militar é sobreviver, é o passivo e ativo que está na peça de construção de morte. È preciso viver a morte para saber disso. Pavlovsky diz que a construção de micropolíticas, pequenos grupos e os enfrentamentos necessários, produzem campos de vida.
A contribuição da especialidade cristaliza o trabalho, diminui o fluxo de democracia e trocas no trabalho e no CAPS.  Ele reproduz algo que o define. A Reforma Psiquiátrica não se faz com especialistas, mas contra os especialistas. Se eu sou reformista e o outro é anti-reformista, a transversalidade da equipe diminui, renasce o hospício, uma zona de troca zero. Se se nega a potência da transversalidade, se reproduz o manicômio.
Repensar:  o movimento de luta, o espaço no aparelho de Estado, construção ousada das experiências que  geraram o movimento psiquiátrico de vanguarda, o cuidado de usuários, o trabalhador de saúde mental; é fazer da auto-gestão e  da gestão de trocas, um espaço livre, liso.
A política do Ministério da Saúde tende a enfatizar especialistas: a clínica não é coletiva, protocolos são individuais, atos separados de ações, e  de outros especialistas.
A coletividade deve ser a   referência, o coletivo é difícil de ser montado, mas é um fim em si mesmo, gera troca, é continente. O lugar do crescimento não é o lugar da especificidade, enquanto ato, seja médico, psicológico, psiquiátrico ou de terapia ocupacional.
Pensar em reforma, não é pensar como conceito, é, a partir e além de si, pensar na dor do outro. É atentar para o crescimento do poder hospitalizante hoje, para a indicação cada vez mais freqüente de ETC e reafirmar nossos princípios..
Ser funcionário e ocupar funções, é estar bem com uma ética profissional, normatizada. Mas decidir qual o caminho e a direção terapêutica singularizante,    é uma ética pessoal e   coletiva. A portaria é apenas um mediador, que deve ser subsumida pela   ética do direito à diferença.
O que nos cabe é perceber diante do sonho de uma clínica transversal de devires, a construção do novo mundo com direito à diferença.
Quero ser um burocrata? Ou ser um revolucionário? Se não somos na reforma militantes  partidários, somos militantes micropolíticos... Qual chamamento para a vida tem sentido? São alguns perigos que temos na saúde mental, somos pouco nascedores, temos pouco espírito de Che, de ser um eterno nascedor.
É preciso questionar o lugar de poder da especialidade, se vou fazer uma cirurgia plástica, quero um bom cirurgião, mas se sou louco, quero uma equipe transversal, solidária com espírito guerreiro e ternura; que conheça a especialidade, mas que não tome posse dela evitar, bloquear e inibir a vida, potencializar oos vínculos e os espaços de singularização.
 Não tem como trabalhar sem maternagem no CAPS, não há CAPS sem festa: o CAPs não pode se converter num aparato cinzento de intervenções anêmicas e de silêncio normatizador.
Ousemos... Inventemos... E que  repitamos com os surrealistas: não será o medo da loucura que nos fará baisxar as bandeiras da imaginação.
Pelo direito à loucura, pela defesa da inclusão social e dos direitos humanos, por fazer caber na sociedade a loucura, tomemos de assalto... a rua, a cidade e o céu.


7 comentários:

Marta Rezende disse...

Solidariedade total à luta antimanicomial.
Jorge querido gosto de escolher a cada dia um ou mais signos que me ajudam a levar o dia em pé, sem medo de lutar pela vida. Hoje, escolhi o CHE e o ARTAUD. Obrigada por me lembrar dessas lutas. Elas ajudam muito a me distanciar pelo menos três séculos da mentalidade consumista e individualista, incessantemente produtora da grande peste.
No mais, saudades do Brasil. Daqui, a gente sente mais que o Brasil, mesmo com todos os problemas que temos, é muito rico de multiplicidades que se misturam. A Nova Roma, como dizia Darci Ribeiro, para expressar o nosso virtual de se constituir numa civilização de qualidade incomum. Uma nova terra, um novo povo por vir, vindo.
forte abraço
Marta

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

por favor. vive a alegria,mesmo quando a aleria se unisse, fazemdo esonderilho dos sentimientos, pois valerá sempre o amor.
Abrazos joorgd

Marta Rezende disse...

Ei Jorge, ok tomarei um drink (até mesmo uma caixa inteira de vinho, com alguém) em Nova York ou em qualquer lugar. Estou totalmente aberta ao outro, outra, outros, outras. Mas não procuro porque não sinto falta de nada nem de ninguém. Mesmo porque não creio que se encontre amor num bar ou numa esquina. Pode-se até encontrar, ser uma coisa de supetão, mas tb pode ser preciso cultivar por um longo tempo. Estou saindo de um amor que foi muito feliz. É preciso ter paciência com isso. Estou tendo o mais possível. Não quero banalizar o amor. Sair de um, entrando n´outro por falta. Meu coração vive o outono, talvez tenha que viver o inverno. Mas haverá o tempo da primavera e do verão.

Estou mesmo agora curtindo o mundo das intensidades puras, aquilo que Spinoza chamou de beatitude ou afeto ativo ou auto-afeto. Ama-se assim todas as outras coisas e pessoas. Esse é o amor de Deus, amor que Deus tem por si mesmo. Não é teoria Jorge. É uma vivência funda e também de superfície, de pele.

Obrigada por me desejar alegria. A alegria é a prova dos nove, já dizia o Oswald e ele tem razão. E vc também. E eu tb porque sem alegria eu não estaria aqui dialogando tantos dias com vc.

Desculpe se exagerei na comunicação. Vc me instigou e eu aceitei. Mas vou tirar umas férias da internet. Uns dias sem computador e sem tagarelice. Vou viajar um pouco, conhecer pequenas e pacatas cidades. Minhas companhias serão o Deleuze, o Guattari, o Nietzsche e o Spinoza, pois eles entendem a suprema importãncia de se ficar em paz com a solidão.

Excelente final de semana para vc.

beijo beijo beijo

Marta

Unknown disse...

Jorginho,

Lembrei da primeira vez que fui apresentada a loucura, paredes cinzas, rostos pálidos, ausência de sol, muitas portas e chaves trancafiavam sonhos e desejos. Eram como robôs institucionalizados pela dor, contidos em silêncio. Confesso que chorei, fiquei apavorada, tive vontade de abrir os portões e soltar todas as amarras mas senti frágil diante dos imponentes muros.Tratamento ou retalhamento? Algum tempo depois você me apresentou a Boneca que tinha a Mariazinha, o Gentil, a Terezinha, tinha também,
festa, alegria, carnaval, maternagem, canções e poesia e eu disse é aqui que vou ficar, se tem vida, tem gente, tem tratamento! È aí que sonho estar todas as noites.
Saudades...
Meiriane

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Amiga,a alegria é potência de vida, e de resistência e inovação. A lágrima, também...
Cada dia, caminhamos e semeamos... Que idéia fascinante de escolher companhias para cada dia. Quando estou escrevendo, produzindo algo, sempre elejo meus companheiros de interlocução,não os autores que usarei, os amigos che, marcos, noel, cartola, cora, rosa...
´e viver e viver , potencializando encontros, abraços jorge

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

MEIRIANE, HÁ UM MUDO CINNZA QUE OPRIME A LOUCURA E OS ACORRENTAM; E A NOSSO TRABALHO, SE, MEU , O TRABALHO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA QUE É O DE COLORIR A VIDA COM O DIREITO À DIFRENÇA. iNCLUINDO A LOUCURA NO NOSSO COTIDIANO, ABRIMOS PARA A VIDA O DIREITO DE ELA SE DÊ COMO SE DESENHAM NO CÉU O PÔR-DO SOL OU AS NOITES ESTRELADAS. BEIJOS, QUERIDA FILHA DO CORAÇÃO. JORGE

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Marta, só quem suporta a beatutude da solidão que é auto-afeto, ou vida-afeto-vida, está preparado para os amores... Também, gosta da idéia de se permitir a solidão, chamo, mineiramentede "fechado para balanço".
Os encontros podem e são inumeráveis, um livro , um disco, uma flor, uma estrela...
Sentirei sua ausência, não a prolongue muito. Desejo-lhe paz-alegria-potência-srenidade nos seus passeios de borboleta cósmica. MIl abraçso jorge