domingo, 28 de novembro de 2010

GEOGRAFIA DO DIÁLOGO

                                                              JORGE BICHUETTI

Palavra e escuta. ação e reflexão. O homem é ser do diálogo... Da prosa, da boa conversa...
Aos pés do fogão, com cigarro de palha, pacientemente, enrolado, a vida já se descobriu, muitas vezes, mais vida..
A esquizoanálise, filiada ao institucionalismo, é uma enamorada dos diálogos; assim, como odeia as estéreis discussões académicas de saber-poder e poder-saber...
Estas reflexões são simples alinhamentos de algumas posturas fecundas da prática esquizoanálitica.
Dialoguemos... despidos das crenças nas verdades soberanas, únicas e universais...
Dialoguemos... reconhecendo que todo miséria vem dos és e que os es liberam para que o diálogo deixe de ser um ringue e passe a se constituir num processo de produções de novos conhecimentos...
Assim, se você fala e eu calo; não é uma interrupção do fluxo dialógico... Estou refletindo, afetado pelo que ouvi e tentando conectar com meus pensamentos...
Há maior riqueza quando no debate de uma questão, fugimos da dureza da luta de poder e tecemos, através das ressonâncias, um novo caminho, uma nova compreensão, uma nova saída, uma bifurcação... Inventamos... Criamos... E não apenas fomos discos reprodutores de saberes instituídos.
Somos soberbos: acreditamos que nossa verdade serve para todos e todas situações... Deste modo, se processou o genocídio cultural da América pré-Colombiana...
E é deste modo que bloqueamos qualquer possibilidade de diálogo com os nossos filhos, com as novas gerações...
Hipertrofiamos o valor do que nos ensina os livros, as ciências constituídas, e negamos o que sabe um corpo através de suas experimentações de vida.
Quando alguém manifestava admiração por suas ideias, Deleuze-Guattari se revelavam curiosos do que o outro inventou, travestindo a ideia original, que novidade havia criado afetado pela leitura da obra original... Ou, como aquela ideia funcionava na sua vida...
Deleuze chega a dizer no Abecedário que tinha verdadeira horror a cultura de estoque: que um conhecimento valia pela vida que nova que germinava no coração das pessoas e dos coletivos.
Diálogo - palavra e escuta, ação e reflexão, não para a imposição de uma verdade poderosa que soberana anule a criatividade e sonho...
Diálogo - fonte de entres onde o novo germina genuíno e instaura algo ainda não pensado.
Diálogo - encontro humano na alegria das trocas que nos enriquecem e nos permite multiplicitar nossa visão de mundo...
Diálogo- assim, é uma relação de amor e respeito onde dá a fecundação, a gestação e o parto do processo criativo.
Dialogando com todos nós, então, passo a palavra ao poeta João Cabral de Melo Neto:

A Educação pela Pedra  

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, freqüentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
[pela de dicção ela começa as aulas].
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra [de fora para dentro,
Cartilha muda], para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
[de dentro para fora, e pré-didática].
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

DIÁRIO DE BORDO: AS TRAMAS DA INSÔNIA

                                                                                      JORGE BICHUETTI

O sono não chegou... Estou na estação, de malas prontas e chapéu na mão... Contudo, ele tarda... Ou será que eu apressei a vida e quis cessá-la cedo demais e e, agora, me atordoo na espera....
A insônia produz inquietação, ansiedade e irritação, tudo o que por si mesmo afugenta o sono num círculo vicioso que nos lega um deserto de desolação.
Penso: causas , motivos ou motivações? As causas se anulam, os motivos se enfrentam e as motivações, se auscultadas, fazem da insônia um momento produtivo e sereno.
Na dúvida, bebo um copo de água com gelo, e escrevo...
Faço aqui uma análise de implicação, dividirei três insônias paradigmáticas. Insônias reais da minha vida atribulada e serena, numa alternância que nem sempre domino... Corre nos trilhos do acaso ou nos solilóquios dos deuses...
Uma vez, depois de trabalhar demasiado, com cansaço e dores, me deitei, calei meus pensamentos e relaxei...
O tempo rodopiou velozmente e nada... Não adormeci. Humildemente, notei que minhas dores eram tantas que me agitavam, tomei um analgésico e, milagrosamente, dormi e sonhei... Sono profundo, repouso garantido...
Outra vez, me vi rolando entre pensamentos desconexos e confusos, numa tentativa inglória de solucionar alguns problemas pendentes... Recordei o sábio Galileu que dizia que a dia basta as suas preocupações... Dei um soco na boca do estómago da minha onipotência e admiti que não tinha ainda dados para solucionar o problema, não havendo nada a fazer, senão adiar no tempo eno caminho. adormeci com os anjos e acordei com os passarinhos...
Ah! Houve uma outra, distinta, insone, me sentia acelerado, com pensamentos fluindo velozmente e com ideias que me encantavam... Cedi... Ouvindo um trio de Beethoven, comecei a trabalhar... Produzi... Criei... depois, fui ver um filme maravilhoso... e terminei a noite, calando os pássaros com a leitura de meus poetas amados. Era apenas uma peralticee do meu relógio biológico...
Aprendi a não me indispor com as insônias... Raraas ou recorrentes...
Negocio e agencio a solução adequada ao momento.
Porém, não dispenso meus auxiliares:  uma sinfonia, um poema, um filme... Uma sessão de relaxamento...
E silencioso diálogo com as forças da vida...
Somente, nunca brigo com ela: a levo no meu brechô árabe-cigano e negocio... Não trapaceio, porém, sempre colocono pacote a garantia de bons sonhos, desperto ou adormecido, os sonhos aquietam a mente e afugentam os fantasmas.


















MESTRES DO CAMINHO: AMAURI FERREIRA

O anjo exterminador 

                     AMAURI FERREIRA

1. O rio de Heráclito: amá-lo ou odiá-lo?
Há momentos na nossa existência que servem para conhecermos a nossa capacidade de reação, que nos levam até ao ponto em que nos encontramos diante de um território desconhecido. Então, um dos pés vacila, o corpo inclina-se para trás, as mãos não têm mais onde se agarrar: em tal ponto de desconfiança, o mais provável é refugiarmos na lembrança de um afeto prazeroso e focar o nosso desejo em um ideal. O mesmo dobrar dos sinos, o mesmo canto dos pássaros, o mesmo pôr-do-sol: tudo igual, sem surpresas. Mas um instante de clareza pode surgir; a nossa capacidade de renovação pode falar mais alto; um novo jeito de olhar, de ouvir, de cheirar... Novos sentimentos das coisas que estão ao nosso redor, que, sem pedir licença, nos atingem, modificando-nos, tornando-nos diferentes a cada instante.
Outros, outros e outros: um turbilhão que nos leva a um campo ermo, onde nos livramos do que se tornou inútil para nós, uma identidade que não faz mais sentido preservar nesse novo mundo. Não é o “mundo tão real com todos os seus sóis e todas as suas vias lácteas, que é o nada”, como imaginou Schopenhauer (“O Mundo Como Vontade e Representação”, livro quarto), mas o mundo do devir, o mundo de um novo território existencial, o mundo de uma nova relação de forças, o mundo de novos sentimentos de dor, de amor, de tristeza e de alegria. Nada nos falta nesse novo mundo: o coração segue batendo no peito, os pulmões continuam a receber oxigênio, o nosso corpo continua a sentir os outros corpos. Não há como faltar amor a esse mundo: por estarmos destinados às relações, estamos destinados a amar... O nosso amor é o amor cósmico, o amor que nunca se esgota, o amor que não exige nada, o amor que é trágico. Um amor como de uma estrela anã branca, que suga a matéria da sua estrela vizinha, aumentando a sua temperatura e pressão, até o ponto em que ela simplesmente explode, espalhando grande quantidade de matéria e energia no espaço: eis um dos tipos de “supernova”, o amor estelar. Portanto, o amor não é algo que seria possível planejar, que poderíamos controlar conscientemente, mas, pelo contrário, somente através do acaso podemos aprender o que é amar.
Se realmente entendermos a profundidade de tal amor, não há como não amarmos o rio de Heráclito. “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”. Surge em nós a imagem de um fluxo incessante de águas – sempre um novo fluxo de águas. Quem entra no rio nunca é banhado pelas mesmas águas – e o próprio banhista não é mais o mesmo. O que o rio heraclitiano nos permite pensar é a respeito da realidade do devir e as afecções que nunca se repetem: o encontro do corpo humano com as águas do rio sempre produz novos afetos. Água e corpo humano: sempre um encontro inédito e singular... E podemos pensar assim: mergulhar no rio e aproveitar a experiência de ser afetado por ele; viver em sociedade e aproveitar a experiência de ser afetado por ela... Águas que retornam, sempre de modo diferenciado; relações humanas que retornam, sempre de modo diferenciado... Ficar dentro do rio tem os seus riscos, pois podemos afogar-nos nele; viver em sociedade também tem os seus riscos, pois podemos ser destruídos por ela... No rio, podemos formar uma noção comum entre o nosso corpo e o fluxo das águas; na sociedade, também podemos formar uma noção comum entre o nosso corpo e o corpo social... Ao sairmos do rio, buscamos a sombra de uma árvore e refletimos sobre a experiência de ser banhado por ele; ao sairmos dos encontros com os indivíduos na sociedade, refugiamos nos momentos de solidão e refletimos sobre a experiência de ser afetado por eles... Na sombra de uma árvore, recebemos outros fluxos, vivemos uma nova experiência, comemos um alimento com outro sabor; na solidão, novos fluxos nos atingem, vivemos também uma nova experiência que se torna uma ótima ocasião para o conhecimento das nossas próprias forças... Voltamos ao rio para construir outras relações com ele, sempre de modo diferente; voltamos ao encontro com os indivíduos para construir outras relações com eles, também de modo diferente... “Deste jeito sim, deste jeito não; vou por aqui, e não por ali. É preciso ter temperança, mas sem esquecer a ousadia”... Riquezas que se escondem no rio e na sociedade: para descobri-las, é necessário criar novos caminhos dentro do rio, entender o que nos move dentro dele; da mesma forma, é necessário criar novos caminhos dentro da sociedade, entender o que nos move dentro dela... Podemos criar novos caminhos quando estamos fora do rio, para encontrarmos uma terra generosa, que nos espera pacientemente; também podemos criar novos caminhos quando estamos fora da sociedade, para descobrirmos as riquezas da nossa solidão... Experiência de estar dentro e fora do rio; experiência dos momentos de vida social e de retiro espiritual: não há como vivermos absolutamente dentro ou fora do rio, dentro ou fora da vida social. Podemos ter a sabedoria de dosar as experiências que convém para o polimento da nossa própria liberdade, para a expansão dos nossos limites, para sentirmos a natureza do nosso próprio tempo. Cabe somente a nós respondermos às seguintes questões: o que nos fortalece e o que nos enfraquece? Qual o momento de entrarmos e de sairmos do rio? O que fazemos com as nossas próprias modificações que ocorrem dentro e fora do rio?
Então, sentimos que algo se passa conosco. Não somos mais os mesmos; deixamos as nossas lembranças para trás, caminhamos pela areia da praia, rumo ao mar, plenamente seguros do nosso caminho! Para nossa surpresa, descobrimos que também podemos viver no mar: de animais terrestres, tornamo-nos animais marítimos! Ah, e que mar maravilhoso é esse, com seus inúmeros peixes, um mais belo que o outro! Ao mesmo tempo, tudo pode ainda parecer estranho aos nossos olhos tão acostumados com a vida terrestre. Descobrimos que precisamos trabalhar duro, construir alianças, se quisermos sobreviver nesse mundo simultaneamente belo e perigoso. Criamos um novo modo de viver no mar, construímos novas relações com os seus habitantes, aprendemos a amá-lo e esquecemos como era a vida fora dele. A realidade da nossa vida se confunde com a realidade do mar: pintamos o mar à nossa maneira, vivemos o mar em toda a sua intensidade. Simplesmente não negamos o mar, mas, ao contrário, resolvemos afirmá-lo em toda a sua realidade...





















MESTRES DO CAMINHO: AGIR E NÃO REAGIR / DANIEL LINS

“O mundo, segundo Nietzsche, é a expressão necessária do caos processual
constituído de encontros afetivos, salutares ou desagradáveis entre os
corpos. Como, então, ser livre diante da necessidade do caos? Como
encontrar no caos sua força positiva, sua potência de vida? A liberdade é
uma ação que nos leva a agir e não a reagir; a liberdade é uma prática
inserida à vida, como o pensamento. Trata-se, pois, para encontrar a
alegria e a liberdade mínimas, de avaliar os afetos dolorosos de maneira
afirmativa. Se a liberdade é uma criação social, o sofrimento é próprio do
homem. Aquilo que é susceptível de nos libertar, é a conquista dos
sofrimentos impostos ao homem como destino. O que é sofrer ? O que nos faz
sofrer é, sobremodo, o novo, o desconhecido. A linearidade do corpo
(verdades, crenças, valores dominantes) se vê, assim, atormentada pelos
sofrimentos.”
DANIEL LINS

















ANTI-PRODUÇÃO E CUIDADO

                                                                           JORGE BICHUETTI

Quem cuida, mobiliza ternura e compaixão, amor e doação; e dedica-se... E, muitas vezes, se irrita por ver outro consumido pelas forças da destrutividade...
Se não aprofundamos o nosso entendimento sobre o funcionamento humano, desistiremos facilmente de nosso esforço de cuidado, e sairemos dele aborrecidos, frustrados e com hostilidade para com o coração que mesmo recebendo tanto, manteve-se enamorado do abismo.
O que passa é que não tranquilo, nem sereno enfrentar os processos inconscientes de anti-produção.
A anti-produção organiza-se numa tentativa de captura do novo emergente. Solapa as forças da vida e funciona como um buraco negro, que esvazia os outros sentidos da vida e esta passa a ser sugada, vampirizada, desvitalizada e enegrecida. Um exemplo, é o alcoolista que o único sentido de vida é o próximo copo.
A anti-produção não aparece somente na dependência química... Está na overdose, como nas nossas pequenas sabotagens onde efetuamos uma evitação das bifurcações e saídas necessárias para a superação das nossas dores e feridas e nos mantemos rodopiando no num giro cego sem sair do lugar...
Procuremos afirmar a vida... E no cuidado dos que se vêem sob as sombras da anti-produção sejamos mais sedutores e agenciemos com mais força e alegria a potência da vida, que floresce sempre que ativada...
Anulemos o canto de sereia da anti-produção com carinho, ternura, compaixão, apoio, doação, mas, também, com atividades que acionem a capacidade de produção do inconsciente da própria vida.
Este é o sentido do conceito de maternagem de Winicott: sustentamos, para que em pé, com o empréstimo de nossas forças e luz, possa o outro caminhar no seu momento de florescência...Uma mãe continente acolhe o seu filho, sabendo-o e aceitando o limite do seu momento.
Cuidar é amar... e a vida que vence a morte, nada mais mais é do que o amor plenificado...

DESEJO E PRODUÇÃO: UMA USINA DE PAIXÕES ALEGRES

                                                                                JORGE BICHUETTI

Vivemos esquizofrenizados... Divididos... As áreas das nossas vidas transcorrem como se fossem alheias umas às outras...
Existe uma separação básica que nos amputam as potências da vida.
O mundo do trabalho corre desconectados com os nossos desejos.
Quando trabalhamos, estamos num espaço onde as perguntas sobre o prazer e os sonhos não são pertinentes...
Nas nossas horas de prazer, igualmente, desconhecemos o valor das produções criativas.
A esquizoanálise se destina, fundamentalmente, a unir desejo e produção. Colocar o desejo na produção e a produção no desejo.
Enfim, agenciar vidas que se movem pelas produções desejantes...
Eles unem Marx e Freud e os reinventam...
Assim, o desejo não é um desejo de falta, mas construtivista
E a produção não é um fruto automático do trabalho alienado, é produção criativa de vida e coisas, de caminhos e invenções...
O homem alienado no trabalho se sente mortificado, pois não se realiza na sua potência criativa e inventiva.
E o desejo improdutivo tende a ser capturado pelo individualismo narcisista e pelo próprio esgotamento dado pela exaustão das repetições infrutíferas.
A produção desejante é revolucionária, pois revitaliza o homem e suas potências de viver tecendo bons encontros e paixões alegres...













POESIA: VERSOS DO CAMINHO

                                   DESEJO E PAIXÃO
                                               JORGE BICHUETTI

Como dói o desejo;
o corpo arde...
Se cai num redemoinho;
nunca se descansa,
nem se celebra a tarde.

Como dói a paixão;
amor louco...
Nele, mesmo sozinho,
se espera e se dança;
e tudo é muito pouco...

Como dói a vida,
nesta triste prisão...
Vaga-se sem ninho
Miragem? não se alcança,
nem vê onde os risos estão...

                                                      ANDARILHO
                                                             JORGE BICHUETTI

A estrada me fascina,
perambulo e vôo
como além existisse
a flor azul dos meus sonhos...

Caminho, fora da linha,
dos trilhos de segurança...
A aventura errante
ilumina meus olhos tristonhos...

                                                     UM PÃO
                                                           JORGE BICHUETTI

Viste a fome no meus olhos tristes...
Solidário, me deste um pão;
agradecido, segui com minha fome
de poesia
de flores
de canções...     

Numa taça de vinho, mergulhei                 
e nas graças da alucinação,
vi e me alimentei
com a poesia do fermento
com as flores dos trigais
com as cantigas de ternura
que pulsavam, silenciosas,
nas tuas mãos e no teu pão...

DIÁRIO DE BORDO: OS SONHOS SÃO POSSÍVEIS

                                                                           JORGE BICHUETTI

Café quente, cigarro... E imagens que ressoam, acalentando as inquietações do meu coração.
Acabei de ver o filme " Los Sueños son posibles", uma documentário sobre as Madres da Praça de Maio.
Emocionante e impactante... Narram suas construções, erguidas apenas no movimento dos sonhos.
E, assim, não consegui, queridos amigos, me furtar de voltar a este velho tema: os sonhos são possíveis.
Afirmam e eu concordo, plenamente, que a maior tristeza é viver despossuído de sonhos...
Nunca vi uma cura ou emancipação de um portador de sofrimento mental sem que houvesse descoberto, assumido, inventado um sonho...
Nunca vi, igualmente, alguém feliz sem que fosse possuído por um sonho...
As ilusões do poder, da beleza e das riquezas perduram pouco na sua função de manter acesa a chama da vida.
Necessitamos de um sonho, uma paixão, um ideal para que impregnemos de sentido os passos da nossa caminhada na vida.
Me defino como um homem de sonhos... E os creio possíveis...
E, também, me pego assustado, com a tardança de alguns sonhos; pois, observo cada vez mais o homem sucumbindo sob o peso da realidade nefasta, que se tornou insuportável...
Inúmeros meus possíveis, como quem desenha no papel veredas floridas para a cidadela da felicidade imaculada.
Sonho:
- com a vivência integral dos direitos humanos e da cidadania plena;
- com o direito à diferença e à liberdade;
- com a paz e a não-violência;
- com o desarmamento nuclear e com o desarmamento da sociedade civil;
- com uma sociedade sem manicómios, asilos e orfanatos;
- com o fim da violência sobre a mulher, a criança, o velho, gays, negros, índios, moradores de rua e das florestas, profissionais do sexo e todas minorias;
- com a preservação ecológica, com a sustentabilidade, com o cerceamento dos desmatamentos, com o consumo consciente e com o uso de energias resilientes... E, também, com a preservação da biodiversidade e da diversidade cultural;
- com o fim da exploração do homem pelo homem e da implantação de uma produção-distribuição e consumo baseados na economia solidária;
- com coletivos autogestivos;
- com a democracia direta;
- com o um mundo ético - de cuidado, de compaixão e responsabilidade.
- com a ternura, a suavidade, o amor e o respeito, como norteadores dos vínculos;
- com o socialismo libertário...
Sonho com o fim do capitalismo e dos estados operários burocratizados, com o fim da fome e da miséria, com o fim de toda forma de exclusão e destruição... Com o fim das guerras, dos assassinatos, do desamor...
Os sonhos são possíveis...
Me perguntarão com certeza onde vi ou existe, direi que os sonhos são possíveis porque eles inventam o novo e reinstauram uma nova realidade... Este é o coração da esperança...

sábado, 27 de novembro de 2010

POESIAS: ASAS DA IMENSIDÃO

          SOLIDARIEDADE
               JORGE BICHUETTI

Mãos estendidas. Pés na estrada,
partilha na caminhada... Uma flor
perfumando os elos do encontro;
um raio de sol aquecendo a união...
Éramos, solitários e desiludidos,
agora, acendemos juntos o fogão
e celebramos os pães repartidos.
Solidariedade é, assim, criança,
vida onde florescem os sonhos
e a fecundação da esperança..

                                                  AMOR TERNO
                                                           JORGE BICHUETTI

Uma rosa vermelha na tua mão,
a suavidade do meu carinho...
Meu corpo esperando o teu
e o teu, florescente, meu ninho...
Nossos olhares fabricam estrelas
e nossas noites silenciosas,
conhecem a maciez das nuvens
nas loucas carícias trocadas...
Ternamente, nos amamos
e seguimos além destemidos...
Se o fogo da paixão seca,
o orvalho da ternura,
diariamente, o amor ressuscita...

                                                       MÃOS
                                                          JORGE BICHUETTI

Já tive mãos de  guerra,
palavras ferinas, verdades...
Hoje, tenho mãos de tecer,
meus lábios soletram tímidos
palavras que desconheço,
mas que sei... palavras
suaves-flores -e-brisa...
Com elas, minhas mãos 
desejam tecerem um manto,
azul-branco-e-rosa,
no lilás da ternura...

Minhas mãos? As quero, mãos de amar...

                                          MEUS SONHOS
                                                      JORGE BICHUETTI

Tenho tantos sonhos:
revoada de andorinhas,
estrelas no céu escuro
e bolhas de sabão
na mirada de deus menino...

Delírios, utopias...
Um baú de alegrias...
Com ele, sigo a estrada,
guerreando com moinhos
de ventos
de chibatas
de fuzís...

Semeio amor e igualdade,
justiça e liberdade...
De esperança, vou vivendo...
Um dia, a vida acorda
nova: festa, seresta e oração,
numa realidade, onde o homem
já se descobriu irmão...

MÁQUINA DE GUERRA E PROCESSOS DE MUDANÇA

                                                            JORGE BICHUETTI

Tentamos mudar e, frequentemente, fracassamos... Retornamos destes fracassos com o sentimento de impotência, desesperança e desilusão.
Creditamos o fracasso na nossa incapacidade... Mudar é processo de transformação que exige a construção de um dispositivo que agencie e sustente o novo.
No nosso modo de existir... No trabalho... No amor... Na política.... Em todos campos da vida, não basta desejar a mudança, este desejo necessita de ser instrumentalizado, para não sejamos capturados pelo predomínio das nossas vulnerabilidades e pelos nossos bloqueios e complexos inerentes ao nosso funcionamento de homens de repetições...
Neste sentido, cabe recordar o conceito de Máquina de Guerra, uma máquina não-bélica e uma máquina de afirmação da vida.
Necessitamos de criar conexões com pessoas, coisas e ideias, e montar uma maquina que nos apoie, nos alimente, nos oriente e nos sustente, neste difícil processo de deixar o modos antigos de viver e instaurar o novo no coração das nossas vidas.
Uma Máquina que enfrente o fascismo que se organiza na evitação do novo e do diferente...
Uma Máquina que sociabilize os processos desejantes, e geste um plano de consistência para as novas realizações das utopias pessoais e coletivas que se efetivam na caminhada.
Uma Máquina que sustente a potência singularizante da vida.
É possível superar a dependência do crack? É viável romper relações simbióticas? É cabível sonhar com uma sociabilidade solidária e terna?
Os profetas do pessimismo dirão que o homem continuará fracassando hoje, como fracassou no passado...
A vida e a clínica tem nos confirmado que a vitória é possível... Que os sonhos de libertação e mudança se efetivam quando caminhamos e lutamos, organizando junto ao nosso desejo, uma máquina de produção e sustentação da vida, da vida nova que ousamos enxergar no horizonte das nossas existências.

MESTRES DO CAMINHO: POEMAS DE VIDA-INTENSIDADE

                  O sonho
                          CLARISSE LISPECTOR
 
Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.





                                               AUSÊNCIA
              CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

















                           Arte de amar
                                  MANUEL BANDEIRA

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
 

DIÁRIO DE BORDO: ENCANTOS DE VIAGEM...

                                                                                                  JORGE BICHUETTI
            "OS JUSTOS                                                            
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral"


È hora de fazer um balanço... Viajei, vivi outra vida com novos horizontes... E muito aprendi e cresci...
Não fui um justo, igualmente, não fui um herói... Vivi a vida de um trabalhador comum , anónimo... e degustei o prazer da partilha de sonhos e risos, diálogos e canções com amigos que fazem a vida devir-se primavera, festa e aconchego...
Penso que consegui abandonar  meu ego, por alguns instantes e mergulhar na viagem como experimentação de vida novo. Novos eus, novos caminhos....
Trouxe na bagagem Obras Completas de Borges... Um disco de tango... Um DVD das Madres...
Participei dos 1700 jueves de marcha das Madres: toda quinta, circulam na praça Rosada: a memória dos seus filhos , assim, eternizam-se e eternizam a denúncia do regime de horrores... 
Das conversas de bar, inesquecíveis lembranças: o sorriso de um amigo, a abraço caloroso de outro... Partilhamos alegria e ternura, e multiplicamos as forças vivas da esperança...
De tudo, carrego um legado que se revela um leme para a vida que segue:
Simplificar a vida, intensificando os instantes;
Conviver e partilhar, diminuindo as expectativas e valorizando a alegria dos encontros;
Sonhar, subtraindo as palavras limites e impossibilidades...
Amar...na ternura e no carinho da generosidade de quem se doa;
Construir o novo na ousadia de quem ferido pelos espinhos não deixa de colher rosas;
Caminhar... e no caminho, semear, furtando-se ao ato de dominação sobre o movimento da colheita;
Dormir, lendo um poema que faça do céu estrelado o meu leito; e acordar escutando os pássaros, e renovando-me no orvalho amoroso que fertiliza sempre os dias dos que recomeçam, buscando a potência do novo.


 

MESTRES DO CAMINHO: SOBRE O HUMANISMO DE CHE

Che Guevara pagou com a própria vida a coerência com um ideal - Entrevista com João Pedro Stedile
“O humanismo do Che aparece em toda sua vida e suas ações práticas.  Ele sempre colocava o bem-estar e a felicidade do povo pobre em primeiro lugar. Mas identificava que essa ‘libertação’, essa melhoria das condições de vida, somente seriam possíveis como uma ação social, como uma obra coletiva”, afirma João Pedro Stédile, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Stédile é formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), com pós-graduação na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). O gaúcho de Lagoa Vermelha é um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e, atualmente, membro da sua direção nacional.
IHU On-Line - Qual é o maior legado de Che Guevara para a cultura e a política latino-americana?
João Pedro Stédile - O maior legado de Che para a cultura latino-americana foi ele ter dado concretude, na prática, nas suas ações políticas, à defesa do velho sonho da pátria grande americana. Ou seja, ele soube interpretar que o nosso continente tinha sido dominado por uma forma específica de capitalismo que subordinava a todos e todas. E que, ao mesmo tempo, havia uma formação antropológica, sócia e cultural, que transformava o povo de cada país num imenso povo latino-americano. Além disso, compreendeu que o futuro desse povo, independente do território específico em que morava, seu destino, seu futuro, estava unido. Não é possível a libertação de um só país, de um só povo latino-americano. Nesse sentido, as idéias agora recuperadas e colocadas em práticas pela ALBA (Aliança Bolivariana das Américas) são a concretude de seu legado.
IHU On-Line - Em que sentido Che Guevara inspira a luta do MST?
João Pedro Stédile - Para os militantes do MST, o exemplo da vida de Che Guevara nos inspira e alenta em muitos aspectos, mas, sobretudo, nos valores que ele praticou. Talvez tenha sido um dos poucos líderes populares latino-americanos que viveu intensamente e coerentemente com tudo o que pensava e defendia na teoria nas teses políticas. E essa coerência de vida nos deu como legado o seu espírito humanista, de sacrifício. Che era o primeiro no trabalho e no estudo, e o último na fila da comida e do lazer. E praticou isso, mesmo ocupando os mais altos cargos públicos, como ministro da Revolução Cubana. Ele estimulava a necessidade do estudo, de que todos deviam, todo o tempo, procurar estudar, se aperfeiçoar. Como ele costumava dizer, “dominar os conhecimentos científicos, para resolver mais rápido os problemas sociais e assim melhorar as condições de vida do povo”.
IHU On-Line - Che Guevara gerava revoltas populares?
João Pedro Stédile - Che não gerava revoltas populares. Che teve talvez uma sorte histórica, de ter vivido seus melhores anos de vida durante um período histórico de reascenso do movimento de massas. Assim, uniu sua generosidade, sua disposição de luta, seu espírito de sacrifício, com os processos sociais que estavam em curso. Quando Che chegou na Guatemala, já havia uma revolução social em curso, sob a intervenção das forças norte-americanas. Depois, quando se envolveu com o processo revolucionário cubano, havia dezenas de anos de acúmulo de forças, do Movimento 26 de julho[1], do partido socialista cubano. Da mesma forma, quando se somou no Congo e na Bolívia, também havia processos de organização popular há muito tempo. Ou seja, deu a coincidência de ele viver justamente o reascenso continental de massas, entre 1950 e 1967. 
IHU On-Line - O senhor identifica na trajetória de Che um “profundo humanismo”. Poderia explicar em que sentido o humanismo se manifestava em Che? Existia algo nele que lembrasse os valores cristãos? E como explicar esse “humanismo” em alguém capaz de acabar com a vida de tantas pessoas? 
João Pedro Stédile - O humanismo do Che aparece em toda sua vida e suas ações práticas.  Ele sempre colocava o bem-estar e a felicidade do povo pobre, em primeiro lugar. Mas identificava que essa “libertação”, essa melhoria das condições de vida, somente seriam possíveis como uma ação social, como uma obra coletiva. E procurava dar exemplo de que a solução não seria por suas decisões pessoais, mas somente pela ação coletiva do povo. Foi assim, que como ministro, introduziu o conceito de trabalho solidário, do povo cubano, para que todos se envolvessem na campanha de alfabetização. Ou seja, livrar o povo do analfabetismo não seria obra de alguns abnegados professores, mas a obra de todo o povo. Depois, utilizou isso na construção de moradias populares, no corte de cana da super-safra, na limpeza da cidade, na construção de escolas etc.
E, evidentemente, colocar as pessoas no centro de todo objetivo da ação política é base também dos princípios cristãos. Não sei qual foi a formação religiosa do Che. Mas certamente foi uma pessoa que viveu intensamente a doutrina cristã, na prática. Aliás, certa vez ouvi uma homilia de Dom Mendez Arceo[2], em Cuernavaca, México, e ele disse, se referindo à Revolução Cubana, que talvez o povo cubano fosse o povo que mais praticava o cristianismo nas Américas, ainda que não soubessem.
IHU On-Line - O que motivava a luta de Che? Qual era o “combustível” que o movia?
João Pedro Stédile - Era o ideal de vida, de sempre estar a serviço dos mais pobres, dos oprimidos, dos explorados. Nisso, pode-se ver, retratado esplendidamente no filme Diários de motocicleta, em que Walter Salles[3] procurou ser extramente fiel com a verdade, e reproduziu o que pensava e como vivia o jovem Che. E, pelo filme, pode-se ver como sem muita elaboração ideológica um jovem estudante de medicina, por onde passava na América Latina, se envolvia com os explorados: os mineiros do Chile, os leprosos do Peru, os povos indígenas da Amazônia. Sem ser piegas, mas acho que o combustível que movia ao Che era um profundo amor pelos trabalhadores mais pobres. Mesmo quando atuou nas guerrilhas cubanas, congolesas e bolivianas, em extremas condições e perigos, é talvez a prova maior que uma pessoa pode dar. Trocar os sofás, ar condicionado e um bando de puxa-sacos que teria como ministro, além da fama, na Revolução Cubana, por voltar a subir as montanhas e colocar sua vida em risco, o levou a pagar com a própria vida a coerência com um ideal.
IHU On-Line - Como seria uma revolução social ideal para Che Guevara? É possível vislumbrar na sociedade atual um cenário em que o povo assuma seu próprio destino e participe das decisões políticas da sociedade?
João Pedro Stédile - Os ideais revolucionários acerca de uma sociedade mais justa e igualitária  estão descritos pelo Che, em suas cartas, em seus discursos, mas ainda mais em sua prática, o tempo todo. Acho que o ideário de Che é defender que somente é possível a libertação das pessoas, na construção de sociedades e regimes políticos, quando elas possuem as mesmas oportunidades e direitos. Onde todos e todas sejam de fato iguais, no poder e na renda. E aplicava isso. Seus filhos foram criados exatamente como qualquer outro filho de um trabalhador cubano. Defendia o estudo como um direito de todas as pessoas, aplicando na prática as idéias de José Martí[4], que defendia que somente o conhecimento liberta). Defendia os mecanismos de participação direta do povo, na política, no exercício do poder no estado. Abominava os burocratas, os esquemas burgueses de dominação existentes até hoje. Não só é possível ainda vislumbrar o seu ideal de sociedade como é necessário que a humanidade continue caminhando, perseguindo a construção de regimes políticos em que as sociedades estejam baseadas no princípio de igualdade, da justiça social e da solidariedade.
IHU On-Line - Que tipo de líder era Che Guevara? Quem hoje poderia ser apontado como seu seguidor?
João Pedro Stédile - Che não era um líder carismático por seus dons de oratória. Tinha uma personalidade contrária aos lideres populistas que a literatura registra. Che era tímido, de voz  fraca e asmático. Tornou-se um líder por seu exemplo e por sua extrema coerência e identidade com aqueles com quem conviveu. Foi assim que o povo o transformou em líder. Por isso, não adianta buscarmos líderes famosos, que possam se alvorar como descendentes de Che. Acho que todos os militantes sociais, do Brasil, da América Latina e do mundo, que dedicam suas vidas, modestamente, quotidianamente, na luta por causas justas e igualitárias, estão praticando os ideais do Che. E talvez seja por isso que, sem dúvida nenhuma, Che é o líder socialista mais conhecido em todo mundo, durante a segunda metade do século XX até hoje. Tive o privilégio de viajar bastante. E em todas partes do Brasil, da América Latina e do mundo encontramos as referências do Che, entre a juventude.
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[1] Movimento 26 de julho: foi o movimento revolucionário cubano, fundado em 1954, por Fidel Castro e seus companheiros, contra o ditador Fulgêncio Batista. (Nota da IHU On-Line)
[2] Dom Sergio Méndez Arceo: Foi bispo de Cuernavaca, México. (Nota da IHU On-Line)
[3] Walter Moreira Salles Jr. (1956): cineasta brasileiro, filho do embaixador Walther Moreira Salles, da família que detém o controle do grupo Unibanco, adquiriu projeção internacional, especialmente após os seus filmes que foram nomeados para o Oscar. Seu primeiro filme relevante, Terra estrangeira, foi rodado em 1995 e premiado como melhor filme do ano no Brasil. A edição 237 da IHU On-Line, de 24-09-2007, destacou como Filme da Semana o recente documentário de Salles intitulado Santiago. (Nota da IHU On-Line)
[4] José Julián Martí (1853-1895): mártir da independência cubana em relação à Espanha. Além de poeta e pensador fecundo, desde sua mocidade demonstrou sua inquietude cívica e sua simpatia pelas idéias revolucionárias que gestavam entre os cubanos. Em 19 de maio de 1895, no comando de um pequeno contingente de patriotas cubanos, após um encontro inesperado com tropas espanholas nas proximidades do vilarejo de Dos Rios, José Martí é atingido e vem a falecer em seguida. Seu corpo, mutilado pelos soldados espanhóis, é exibido à população e posteriormente sepultado na cidade de Santiago de Cuba, em 27 de maio do mesmo ano. (Nota da IHU On-Line)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DIREITO À DIFERENÇA

                                                                      JORGE BICHUETTI

Na alegria da aprovação pelo senado argentino, de uma lei antimanicomial, despertei-me com o desejo de re-escrever sobre o direito à diferença...
A sociedade nos dias de hoje, já dispensa os asilos.... Superou o isolamento excludente e mantêm o controle através de uma nova inclusão, a inclusão diferencial.
Somos todos iguais, porém, temos graduada nossa igualdade...
Todos podemos viver, deste que nos situemos no quantum de vida que nos cabe...
Já não se panfleta a violência de todos devemos ser iguais e repetitivos, contudo, o espaço de vida deve ser distribuídos desigualmente.
O diferente pode viver...
Um pouco menos, com menos direitos, com oportunidades circunscritas...
A lógica da inclusão diferencial é que todos podem ser incluídos, todavia, deve-se respeitar que as boas cópias, os homens normais, os de vida de repetições, os funcionais ao sistema... são mais iguais e, assim, devem receber mais e podem mais.
Saímos da exclusão para a inclusão diferencial: é o ordenamento na sociedade mundial de controle.
E o direito à diferença?
Uma vez mais, escutamos o canto da vida no refrão de quem auscultou os pergaminhos da história: liberdade não se dá, nem se ganha; se conquista...
O diferente é o radicalmente novo, o inesperado, o inédito... Antes era interditado,, hoje, é amortiçado numa inclusão que anule sua potência de transformação da vida, de singularização dos coletivos e de geração de devires que agitem a ordem e provoque um processo instituínte de instauração da vida como pluralidade, multiplicidade, rizoma fértil e fosforescente...
Lutemos pelo direito à diferença... é preciso fazê-lo caber na sociedade..
Lutemos por transformar o mundo e mudar a vida.... tomemos o céu de assalto.

NÃO SEREMOS...

                                                                      JORGE BICHUETTI

Não seremos - gritam os Zapatistas...
Imprescindível, na vida sabermos o que não seremos... Quais os limites éticos da nossa caminhada...
Quando cuidamos, quando nos relacionamos, quando amamos... o que desejamos ser e o que jamais seremos?
Isto, parece pouco mais,individualiza um campo de intervenção...
Digamos , então: NÃO SEREMOS...
Desejo e buscarei...
Não serei autoritário, individualista, mercantil, consumista, invejoso, soberbo...
Não serei candidato...
Não serei chefe...
Não serei o centro...
Não serei árvore... desejo como Deleuze ser "a grama que medra entre as pedras do caminho"...
Não serei a má consciência do mundo...
Não serei carrasco, nem juiz de ninguém...
Não serei os és da verdade...
Não serei uno...
Não serei a mão que espinha produzindo lágrimas...
Não serei...
Assim, vamos...

CINQÜENTA ANOS: E, AGORA JOSÉ?

                                                                                    JORGE BICHUETTI

Comunico: estou velho... Neste novembro, completei cinqüenta anos... E aqui estou, refletindo sobre os próximos cinqüentas anos, com a jovialidade de um menino que planeja seu próximo fim-de-semana.
O capitalismo mundial integrado nega um lugar à velhice... Então, já me vejo com problemas...
Será real este vaticínio?
O ocidente criou uma cultura de valorização do corpo viril, forte e apto ao exercício do trabalho, na dinâmica da exploração, da produção de mais-valia...
Deleuze dizia que a fragilidade tinha potência que não eram acessíveis facilmente na vigência de um corpo viril-forte-apto...
Negri diz que o corpo bruto do jovem é um corpo inapto ao amor e as produções onde o sensível e o terno, se mostram mais instrumentais do que um amontoado de músculo.
Fala ele que a sexualidade ganha qualidade... Qualidade na potência da ternura e da suavidade...
É inegável que os anos nos permitem viver com mais seletividade.
E eu? que desejo?...
Trabalhar e relacionar criativamente - como delimitou Baremblitt, pensando sua vida.
Quero seguir buscando... Minhas prioridades: ternura, solidaridade, compaixão, alegria, suavidade...
Quero a humidade de aceitar ser cuidado, e a valentia de continuar cuidando, mesmo nos dias em que corpo frágil rogar uma rede-de balanço...
Quero caminhar, sonhando... Reconhecendo no instante o apogeu da eternidade...
Quero ler, escrever, conversar, viajar, dançar...
Existe uma decadência física e mental que é dada pela estagnação de uma vida.
Quero minha vida em movimento...
Quero revolucionar a vida e o mundo, trabalhar pela esperança e pela justiça, indignar-me e lutar, ousar a rebeldia e as mudanças... Ir para a aurora de um novo tempo.
E não abro mão de meus amigos, todos... Dos velhos, dos novos e dos que vão chegar...
Afinal, eu quero mesmo é continuar amando a vida, as pessoas , o mundo e o universo...
Juntos, seguiremos... os próximos cinqüentas.

POESIAS: ETERNO RETORNO

                                                       ESTE SONHO
                                                          JORGE BICHUETTI

Rio de Janeiro, meus caminhos
de liberdade e magia, e agora,
este medo... estes olhos tristonhos
e esta vida por um fio... A hora
do riso já é também o da desgraça
e os caminhos sem sonhos,
o sangue no asfalto e o samba...
enovelam meu coração,
turvam minha paixão...
Resta  ainda uma esperança,
a avenida cheia de graça,
toda de branco e de arco-íris,
e de Portela e Mangueira,
Vila e Estação, Beija-flor...
Resta este sonho: a paz!
A paz rebolando faceira,
surfando e driblando,
a paz toda dengosa na rua
dos enamorados que de noite
na areia da praia....
triangulam com a lua...

                                               AMAR E IR-SE ALÉM...
                                                                        JORGE BICHUETTI

Amar é um ato de santidade,
feita de sonhos carnais
e ardores celestiais...

Escrava da paixão,                        
sofre com a saudade
e soluça na ilusão...

Amar, assim, é também
um terço de oração
entre mil ais e um amém...

                                           RIO GRANDE
                                                          JORGE BICHUETTI

Rio Grande! amores e alegrias
de meu tempo de menino;
onde o sol me aquecia
e a lua não dava desatinos...

Água correndo e vida
nascendo nos meu pés,
entre flores e pardais,
e vôos siderais...

Assim, é o Rio Grande:
ali, aprendi a vida,
descobri a magia dos sonhos
e parti, no barco tristonho
da saudade....

                                                  UM ÍNDIO
                                                      JORGE BICHUETTI

Nação tupiniquim, acorda...
Eu desejo e procuro, o índio
que fui e deixei no caminho...

Fui forte, bravo guerreiro;
corpo nu e pintado, vida
livre no vôo dos desejos...

Andava, pelas matas;
entendia os encantos
dos passarinhos. A lua
me governava, dando-me
avisos e profecias,
e meus amores eram feitos
na natureza da pele
que florescia cantante,
se um corpo me despertasse...

                                                    FILOSOFIA
                                                       JORGE BICHUETTI

Poeta e andarilho, filosofia
me enlouquece: penso e sonho,
e colando os pedaços da vida,
vou filosofando no caminho:
o vento é meu livro e lápis,
nele, escrevo e espero,
a resposta nos sinais do tempo...
Se não os noto, invento e canto
verdades-passarinheiras...