domingo, 5 de dezembro de 2010

O POVO DA RUA

                                                                                  JORGE BICHUETTI

A vida se organiza dividindo-se em público e privado, o espaço da rua e da casa...
Na casa, o homem encontra sua privacidade... Lugar de recolhimento, de refazimento, de proteção com um externo que o vê e o escuta a todo tempo... É o espaço instituído do morar...
A casa é um espaço estriado que nos formata individualista num núcleo familialista.
Hoje, muitos se perguntam, vendo os que habitam as ruas, se são elas espaços lisos de liberdade e devir...
O povo da rua se compõe por velhos e crianças sem lares, loucos, boémios, famílias sem tetos, dependentes químicos e andarilhos...
Que subjetividade é produzida com uma vida que não dispõe de privacidade?
A rua é a magia da liberdade... Territórios rebeldes, espaços de desterritorialização... Nomadismo...
Quando abordamos as ruas e seu povo vemos que a realidade não retrata com fidelidade a teoria.
A rua, hoje, é majoritariamente a negatividade dos que sem teto vagam, vigiado pelos estriamentos efetuados pela polícia, pela marginalidade institucionalizada em gangues, e pelas políticas sociais de cuidado.
Nela, vemos miséria, fome, desvalia, assujeitamentos e autodepreciação.
O nômade criativo que perambula livremente e cria sua vida rebelde à revelia das leis opressivas tornou-se raro.
A rua pede cuidado... O perigo é nossa mania de enquadrar o outro no nosso modo de vida, sem escutá-lo e sem perceber por onde passa o seu desejo...
O direito à moradia é inalienável.
Igualmente, o direito ao nomadismo...
Percebendo a universalização dos estriamentos normativos, Deleuze já dava imenso valor aos que conseguem ser nômades sem sair do lugar.
Todavia, voltemos às necessidades dos povos das ruas...
Moradia para todos - não respondem a diversidade de modos de existir que habitam o mundo das ruas.
Devemos, então, pensar em dois planos:
- moradias populares e reorganização do universo casa para os que se mostram , aptos e desejosos de enraizamento num espaço de vida privada;
- e políticas de apoio e cuidado para os que se autopercebem em seus anseios e desejos como povo da rua...
Neste sentido, recordo a experiência do Uruguai... Lá, cuida-se dos povos da rua com casa de apoio( para banho, higiene e descanso), refeitórios e núcleos de oficinas para o processo de reabilitação psicossocial, lazer, encontro e cidadania...
Reflitamos... Sem esquecer da nossa meninice quando desejamos cobrir os percalços da rua co pedrinhas de brilhantes.

4 comentários:

Marta Rezende disse...

Jorge, nossa, muito bom isso que escreveu sobre a rua, o povo. Acenderam-se estrelas no céu do acaso. E aí vamos rizomar total nesse tema também. Povos de rua. Se tiver um tempinho por aqui vou escrever "povos de ruas uni-vos!" sobre a globalização da miséria ou miséria da globalização. Mais tarde vou botar "povos de rua" no Uzina. Muito lindo seu artigo.
beijo
marta

Marta Rezende disse...

Jorge, o Brasil já conquistou instrumentos legais de desenvolvimento urbano de fazer inveja a qualquer nação rica e moderna. O Estatuto da Cidade por exemplo... Mas é preciso fazer valer essas conquistas , elas precisam ser aplicadas. Mas aí acontecem coisas incríveis como, por exemplo, São Paulo, em que o prefeito é ligado, sempre ou quase sempre foram ligados os prefeitos paulistanos aos interesses imobiliários-especultaivos ...
Mas há de se avançar essa questão na gestão da Dilma e as cidades aplicarem o que possuem de legislação sobre uso e solo e propriedade social. Os velhos e enormes hotéis do centro de SP , por exemplo, fechados, abandonados, décadas de degradação... Devir habitação social. Esses prédios podem e devem ser adaptados para moradias modernas, com pequenas e médias unidades residenciais acopladas a toda uma rede de serviços (lavanderia, telecentro, biblioteca, piscinas, escolas, restaurante etc.) . O centro de SP, apenas para manter o exemplo, possui mais de 400 mil unidades fechadas, sem uso, em regiões dotadas da melhor infraestrutura social (metrô, por exemplo). Isso representa boa parte do déficit habitacional da cidade.... O Estatuto da Cidade tem todos os instrumentos para esse devir habitação social... Precisamos nos mobilizar para isso. Ao invés de construir conjuntos habitacionais insípidos e longinquos, utilizar a infraestrutura existente nas cidades, em seus centros e bairros, adaptando-a para moradias. Precisamos repensar e refazer as cidades em que vivemos. Não dá para deixar esse monstro crescer e nós de braços cruzados. As cidades precisam a voltar a ser espaço de vida e compartilhamento. Do jeito que tá, não dá. As grandes cidades e metropoles brasileiras só são boas para os automóveis e para os muito ricos que criam "cidades a parte". Apartheid.
beijo
Marta

Marta Rezende disse...

Jorge, o Brasil já conquistou instrumentos legais de desenvolvimento urbano de fazer inveja a qualquer nação rica e moderna. O Estatuto da Cidade por exemplo... Mas é preciso fazer valer essas conquistas , elas precisam ser aplicadas. Mas aí acontecem coisas incríveis como, por exemplo, São Paulo, em que o prefeito é ligado, sempre ou quase sempre foram ligados os prefeitos paulistanos aos interesses imobiliários-especultaivos ...
Mas há de se avançar essa questão na gestão da Dilma e as cidades aplicarem o que possuem de legislação sobre uso e solo e propriedade social. Os velhos e enormes hotéis do centro de SP , por exemplo, fechados, abandonados, décadas de degradação... Devir habitação social. Esses prédios podem e devem ser adaptados para moradias modernas, com pequenas e médias unidades residenciais acopladas a toda uma rede de serviços (lavanderia, telecentro, biblioteca, piscinas, escolas, restaurante etc.) . O centro de SP, apenas para manter o exemplo, possui mais de 400 mil unidades fechadas, sem uso, em regiões dotadas da melhor infraestrutura social (metrô, por exemplo). Isso representa boa parte do déficit habitacional da cidade.... O Estatuto da Cidade tem todos os instrumentos para esse devir habitação social... Precisamos nos mobilizar para isso. Ao invés de construir conjuntos habitacionais insípidos e longinquos, utilizar a infraestrutura existente nas cidades, em seus centros e bairros, adaptando-a para moradias. Precisamos repensar e refazer as cidades em que vivemos. Não dá para deixar esse monstro crescer e nós de braços cruzados. As cidades precisam a voltar a ser espaço de vida e compartilhamento. Do jeito que tá, não dá. As grandes cidades e metropoles brasileiras só são boas para os automóveis e para os muito ricos que criam "cidades a parte". Apartheid.
beijo
Marta

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Marta, sinto que eles estão na fronteira: a casa e a rua... Como na fissura, racha-se um cristal - na fronteira, e a sobriedade já não mais o centro: ou se se destrói na overdose ou se inventa uum novo territória de alegria e plenitude, vôo e sonhos . abraços jorge