sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

BONS ENCONTROS: LEONARDO BOFF E A PAZ

                 Paz como equilíbrio do movimento
                                           LEONARDO BOFF
Como definir a paz? Desde a antiguidade encontramos muitas definições. Todas elas possuem suas boas razões e também seus limites. Privilegiamos uma, por ser extremamente sugestiva: a paz é o equilíbrio do movimento.
A felicidade desta definição reside no fato de que se ajusta à lógica do universo e de todos os processos biológicos Tudo no universo é movimento, nada é estático e feito uma vez por todas.
Viemos de uma primeira grande instabilidade e de um incomensurável caos. Tudo explodiu. Começou o movimento que ainda não terminou. E ao expandir-se, o universo vai pondo ordem no caos. Por isso o movimento de expansão é criativo e generativo. E esta ordem surge pelo jogo de relações que todas as coisas entretém entre si. Tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Essa afirmação constitui a tese básica de toda a cosmologia contemporânea, da física quântica e da biologia genética e molecular.
Em razão da panrelacionadade de tudo com tudo o universo não deve mais ser entendido como o conjunto de todos os seres existentes e por existir, mas como o jogo total, articulado e dinâmico de todas as relações que sustentam os seres e os mantém unidos e interdependentes entre si.
A vida, as sociedades humanas e as biografias das pessoas se caracterizam pelo movimento. A vida nasceu do movimento da matéria que se auto-organiza; a matéria nunca é "material" mas um jogo altamente interativo de energias e de dinamismos que fazem surgir os mais diferentes seres. Não sem razão asseveram alguns biólogos que, quando a matéria alcança determinado nível de auto-organização, em qualquer parte do universo, emerge a vida como imperativo cósmico, fruto do movimento de relações que pervade todo o cosmos.
As coisas mantém-se em movimento, por isso evoluem; elas ainda não acabaram de nascer. Estão em processo de gênese: cosmogênese, biogênese, antropogênese e cristogênese.
O ser humano passa por sucessivos processos de transformação mediante os quais constrói sua identidade e plasma seu destino.
Mas o caos jamais teria chegado a cosmos e a desordem primordial jamais teria se transformado em ordem aberta se não houvesse o equilíbrio. Este é tão importante quanto o movimento. Movimento desordenado é destrutivo e produtor de entropia. Movimento com equilíbrio produz sintropia e faz emergir o universo como cosmos, vale dizer, como harmonia, ordem e beleza.
Que significa equilíbrio? Equilíbrio é a justa medida entre o mais e o menos. É o ótimo relativo. O movimento possui equilíbrio e assim expressa a situação de paz se ele se realizar dentro da justa medida, não for nem excessivo nem deficiente. Importa, então, sabermos o que significa a justa medida.
A justa medida consiste na capacidade de usar potencialidades naturais, sociais e pessoais de tal forma que elas possam durar o mais possível e possam, sem perda, se reproduzir. Isso só é possível, quando se estabelece moderação e equilíbrio entre o mais e o menos. A justa medida pressupõe realismo, aceitação humilde dos limites e aproveitamento inteligente das possibilidades. É este equilíbrio que garante a sustentabilidade a todos os fenômenos e processos, à Terra, às sociedades e à vida das pessoas.
0 universo surgiu por causa de um equilíbrio extremamente sutil. Após a grande explosão originária, se a força de expansão fosse fraca demais, o universo calapsaria sobre si mesmo. Se fosse forte demais, a matéria cósmica não conseguiria adensar-se e formar assim gigantescas estrelas vermelhas, posteriormente, as galáxias, as estrelas, os sistemas planetários e os seres singulares. Se não tivesse funcionado esse refinadíssimo equilíbrio nós humanos não estaríamos aqui para falar disso tudo.
Há paz no universo e as estrelas não caem sobre nossas cabeças porque há equilíbrio do movimento.
Como alcançar essa justa medida e esse equilíbrio dinâmico? Essa é uma questão extremamente complexa. A própria natureza do equilíbrio demanda uma arte combinatória de muitos fatores e de muitas dimensões, buscando a justa medida dentre todas elas. Pretender derivar o equilíbrio de uma única instância é situar-se numa posição sem equilíbrio. Por isso não basta a razão crítica, não é suficiente a razão simbólica, presente na religião e na espiritualidade, nem a razão emocional, subjacente ao mundo dos valores e das significações, nem o recurso da tradição, do bom senso e da sabedoria dos povos.
Todas estas instâncias são importantes, mas nenhuma delas é suficiente, por si só, para garantir o equilíbrio. Este exige uma articulação de todas as dimensões e todas as forças. Numa palavra, o equilíbrio evoca a sabedoria que é exatamente o saber que tem sabor, o saber justo sobre cada coisa e situação, a atitude que se mantem equidistante da carência e da abundância, do mais e do menos.
A partir destas idéias, temos condições de apreciar a excelência da compreensão da paz como equilíbrio do movimento. Se houvesse somente movimento sem equilíbrio, movimento linear ou desordenado, em todas as direções, imperaria o caos e teríamos perdido a paz. Se houvesse apenas equilíbrio sem movimento, sem abertura a novas relações, reinaria a estagnação e nada evoluiria. Seria a paz dos túmulos. A manutenção sábia dos dois pólos faz emergir a paz dinâmica, feita e sempre por fazer, aberta a novas incorporações e a sínteses criativas.
Consideradas sob a ótica da paz como equilíbrio do movimento, as sociedades atuais são profundamente destruidoras das condições da paz. Vivemos dilacerados por radicalismos, unilateralismos, fundamentalismos e polarizações insensatas em quase todos os campos. A concorrência na economia e no mercado, feita princípio supremo, esmaga a cooperação necessária para que todos os seres possam viver e continuar a evoluir. O pensamento único da ideologia neo-liberal, levado a todos os quadrantes da terra, destrói a diversidade cultural e espiritual dos povos. A imposição de um única forma de produção, com a utilização de um único tipo de técnica e de administração, maximalizando os lucros, encurtando o tempo e minimalizando os investimentos, devasta os eco-sistemas e coloca sob risco o sistema vivo de Gaia. As relações profundamente desiguais entre ricos e pobres, entre Norte e Sul e entre religiões que se consideram portadoras de revelação divina e outras religiões da humanidade, reforça a arrogância e aumenta os conflitos religiosos. Todos estes fenômenos são manifestações da destruição do equilíbrio do movimento e, por isso, da paz tão ansiada por todos. Somente fundando uma nova aliança entre todos e com a natureza, inspirada na paz-equilíbrio-do-movimento como método e como meta, conseguiremos sociedades sem barbárie, onde a vida pode florescer e os seres humanos podem viver no cuidado de uns para com os outros, em justiça e, enfim, na paz perene, secularmente ansiada.



2 comentários:

Marta Rezende - aluna disse...

Pelo jeito, Jorgito, vamos aprender muita geografia nos próximos dias. Vc já olhou onde é o Iemen? A Arábia Saudita? Tem nomes muito bonitos por lá, meu querido, dá pra fazer muita poesia. Bahrein, Djibuth. Oceano Índico , na dobra com o Mar Vermelho. O que é que a gente sabe disso? Talvez vc possa nos contar alguma coisa, Jorge.
bacio
M

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

marta, equivoco-me ou mundo está num processo de lutas e sonhos, com o povo se dando conta de que não dá para não interfeir na história.
Estive todo dia em Ribeirão, um curso: clínica do cuidado e da alegria.
Sabe que eu me perco, com a geografia e suas confusas transmutações...Um espaço de produção que participarei do coletivo, para aprender será " geografia das lutas sociais contemporâneas"...
Grécia, Itália, Espanha, túnisia, e o Egito a cujo povo dediquei meu curso hoje...
abraços com carinho e muita desejo de diálogo e partilha, Jorge