domingo, 26 de junho de 2011

DIÁRIO DE BORDO: POVOANDO DE ALEGRIA O CAMINHO...

                                         Jorge Bichuetti

Os sinos badalam e no ar, pode-se escutar preces inarticuladas... Um novo dia começa. Os sinos são ecos dos lamentos e das esperanças escritas no vento e que não chegando ao seu destino, as estrelas, são agora recitadas na matinal oração dos sons que timbram a fé e os anseios das vidas que na noite perambularam pelos becos dos sonhos acordados. Acordei, cedo... Já não pesa a lentidão, nem o marasmo do corpo febril... Contudo, estive um longo tempo entre meu olhar que buscava o céu estrelado e minha pele que aspirava os cheiros do quintal.
A Luinha dorme. Agora, eu a cuidarei... Ontem, nas suas aventuras, acabou saboreando uma folha a deixou toda doída. Vómitos, dores... Ele quis adormecer nos meus braços... Na hora da dor, no instante de angústia, todos necessitamos do universal curativo - um aconchego de ternura e carinho...
Estes dias vi e li páginas e vidas; ouvi histórias e opiniões... Vaguei pelas terras do Xingu, passei momentos com Paulo Freire e Darcy Ribeiro, voltei a me encontrar, saudoso, com Fannon e Sartre... E me permiti embalado por Cora Coralina, Adélia Prado, Fernando Pessoa, Maiakovsky, Bandeira... A casa esteve cheia de melodia: Fred Martins, Diogo Nogueira, Cartola, Caetano, Chico, Tchaikovsky...
Hoje, é domingo... Domingo, para mim, sempre são radicais: num extremo, o samba... noutro, Bach. Retratos da minha vida íntima , das minhas vivências emocionais e afetivas... Ou muitas vezes, retratos da vitalidade do meu corpo.
A Luinha será a princezinha cuidada com amor e carinho; nunca conseguirei dar-lhe mais do que ela me dá diariamente...
A natureza é assim... Pródiga, generosa, terna e acolhedora. Nela, somos acalentados e vitalizados, expontaneamente... 
Espero, agora, o cantar dos passarinhos que virão... O sol brilhará... Ventos, chuvas, nuvens e arco-íris... Matas, trilhas, cachoeiras... Depois, o poente... O esplendor... Enfim, o luar e o céu estrelado... O pe´de jasmim da rua e a roseira... O alecrim do quintal e os pardais vadios num leve e suave vagabundear...
E aqui estou: leio e releio o já escrito... Quero ver, ouvir e sentir o que emerge... A vida é travessia; por ela perambulamos... e lendo um dia banal de corpo grudado na cama pelos achaques da gripe, não posso deixar de indagar: como nós conseguimos ser infelizes?...
Rosa diz que "a felicidade chega nas horinhas de descuido".
Talvez, pudéssemos explicar nossa infelicidade como produto da asfixia existencial que sofremos por carregar séculos de excessivo e obsessivo controle.
Não vivemos o momento... Não contemplamos a vida... Não celebramos a beleza da vida e da natureza...
Somos escravos. Escravos das idealizações que projetam nossa alegria sempre para algo que nos falta, num total menosprezo pela vida que possuímos... Escravos do controle e da rigidez que nos obrigam ser vendedores e vencedores, o ideal esperado... o sonho difundido nas liquidações midiáticas...
Nietzsche, o intempestivo, dizia que o que não mata, fortalece...
É pouco...
Ser feliz é realização íntima... é experienciar com intensidade e criatividade o instante vivido. É abrir-se para conectar-se coma vida que flui e nos chama para sua apoteose de alegria e paz.
Viver o presente... usufruir e desfrutar do que pulula nos arredores da nossa vida.
Acostumados as velhas dicotomias, logo, pensaremos: isso não é acomodar-se?...
A vida é caminho e sonho... e não há caminho nem sonho que se sustenta sem luta: a vida nos necessita guerreiros que teçam na luta o alvorecer de um novo tempo de ternura e solidariedade... A injustiça social nos exige indignação raivosa e valente, ousadia e destemor...
O problema é que se as nossas lutas são afirmações do novo e da vida plenificada nas transformações includentes, nós temos que impregnar o nosso corpo com as cores da aurora e a aurora é o brilho da alegria , colorindo o infinito nas lições do recomeço.
Acordemos: quem fala da revolução e não a vive no cotidiano da sua existência; que proclama o porvir e não se permite brilhar com a luminosidade da vida remoçada, é um ventríloquo do amanhã num corpo mumificado pelas tristezas do passado... A alegria de antever e de viver já a aurora contagiará e fecundará a vida com as sementes do amanhã.
O resto é panfleto...

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