sábado, 18 de junho de 2011

DIÁRIO DE BORDO: SOLIDÃO PARTILHADA...

                                                  Jorge Bichuetti

Madrugada. O luar brilha alto. Longe... Minhas plantas se ocultam no escuro. Luinha dorme. A permanente companhia assustou-se com o despertar madrugadeiro. Ela sabe que quando é assim... o sábado não será caseiro: aulas, marcha, vida... Vida na rua, na caminhada. Nunca , de verdade, estamos sozinhos; nem acompanhados. Partilhamos no caminho e no dia-a-dia, a solidão que existe em cada vida. 
A solidão é a condição existencial do ser humano. Não é abandono, nem desencontro... ela, porém, não é sempre a mesma. Há solidão que se assemelha a uma gruta escura e silenciosa: solidão despovoada. E há solidão cheia de vidas, tribos, floras e faunas: solidão partilhada.
A solidão despovoada é agonia, melancolia, desespero... um pé na beira do precipício, o outono nada.
A solidão povoada é caminho, voo, diálogo, partilha: sonhos e encontros; cantigas do amor e poesias do porvir...
O deserto é fértil... Nele, nasce uma flor... flores, primavera, alvoradas.
O ser humano cria seu mundo íntimo, seu estado psíquico, sua subjetividade e seu destino, baseado no povoamento que realiza na sua solidão.  
Nossas escolhas vão povoando nossa vida...
Nossos sonhos, lutas, amizades, amores, canções e poesias, livros e vivências povoam nosso mundo íntimo.
Cultivar amores - por ideias e sonhos, natureza e pessoas, artes e utopias, fazem com que estejamos no silêncio de uma madrugada solitária povoados de vida: vivificados, energizados; com vozes e imagens que nos encantam e nos estimulam a caminhar, dando o passo para o qual somos convocados pelo horizonte.  
Viver é caminhar; caminhar é recomeçar...
Viver é servir; servir é encontrar...    
Os encontros se dão no espaço mágico e mítico da solidão partilhada.  
A solidão despovoada é produto do não encontro, mergulho regressivo no nosso narcisismo e na nossa onipotência.
Encontrar é vincular-se num movimento marcado pela alegria.
Os encontros alegres são libertários: não simbióticos e não totalizantes; porém, cheios de vitalidade... alegria e paixão, paixões alegres...
Conectar-se com o outro é ato de amor,  para que se consubstancie num bom encontro, povoamento da solidão.
A simbiose é um não encontro, pois, um engole o outro. A dependência é deserto com miragens... O outro na simbiose não se personifica, é assombração.
As relações de carinho e ternura, de arte e magia, de vida partilhada nos permite seguir com nossa singularidade, solidão, porém, povoados desencontros, habitados por outros.... que nos tira das bordas do precipício e nos dá asas para que voemos sobre os abismos. Clareia a gruta e dela saímos e nos descobrimos no caminho> Caminhantes, peregrinos, estradeiro, andarilhos... povoados por amigos e amores, luares, poesias, flores e passarinhos...
Recordemos Fernando Pessoa - se escutamos o vento, a vida só pelo sussussuro do vento adquire sentido. Nesta frase, ele relata a vida de alguém povoado pelo vento.
Temos que fabricar o sentido da vida comas próprias mãos... E, assim, povoamos nossa solidão.
Assim, podemos concluir que a solidão absoluta, despovoada, com os ruídos terroríficos da morte, é uma rejeição nossa, rejeitamos a vida. A vida com suas cantigas, verde campos, céu azul, rio e cascatas, frutos e flores, poesias e luares, gente, pessoas e roas, pulsam do nosso lado, querendo nos povoar...
Povoemos, então, com ternura e solidariedade, amizade e poesia, aurora e boa gente os caminhos e veredas da nossa existência..



                MARCHA DA LIBERDADE - 18/07/2011 - 14:00

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