sexta-feira, 20 de abril de 2012

SOCIEDADE DE AMIGOS: VOOS DE PASSARINHO NA POÉTICA ESTELAR DE CONCHA ROUSIA

                   A MESMA MELRA
                                  Concha Rousia


Hoje o amor pousou-se nas montanhas
tão longe das incuráveis feridas da alma
desceu das nuvens em forma de lágrimas
e suavemente acalmou as dores da Terra

Hoje o amor pousou-se nas montanhas

e tu não estás para acompanhar meus olhos
na viagem ao insondável e infindo abismo

Hoje o amor pousou-se nas montanhas

e apenas a janela sabe e me oferece seus braços
para eu voar deixando atrás as minhas dores

Hoje o amor pousou-se nas montanhas

e aqui continuam a doer as cicatrizes incuráveis
das despedidas dos mortos que nunca partem
por saberem do peso do legado e sem herdeiros

Hoje o amor poussou-se nas montanhas

mas eu não sei voar... não sei... não sei... não sei...

a Melra pegunta-me o porquê de tantos padeceres

ela convida-me a seguir seu exemplo, ser como ela

convida-me a dançar livre e sem memória como ela

que, como o gato de Borges, é sempre a mesma Melra

e jamais ela precisa lembrar cousa nenhuma...


Hoje o amor pousou-se nas montanhas

e eu descobri que eu já sou essa Melra

eu sou sempre também já a mesma Melra

eu já fui minha tia Maria, sempre de preto

já fui a minha avó e a minha outra avó...

já fui uma das sete mulheres que povoaram a Europa...

eu já fui as sete mulheres mesmo...


Hoje o amor pousou-se nas montanhas

e eu pouso agora o peso do mundo aqui atrás de mim

vou deixá-lo repousar no leito ainda em morno desarrumo

e vou sair voando até tocar a pele das montanhas

vou regar meu tato com o amor pousado pelo céu

e depois vou regressar de novo a este meu ninho

porque eu já sou, eu sempre fui, essa mesma Melra...


FONTE: REPUBLICADAROUSIA.BLOGSPOT.COM 

Nenhum comentário: