segunda-feira, 7 de maio de 2012

BONS ENCONTROS: A QUESTÃO DO TRABALHO NA CRISE DO CAPITALISMO MUNDIAL INTEGRADO; UM TEXTO DE EMIR SADER

O trabalho, a atividade mais transversal da humanidade

         EMIR SADER

O homem se distingue dos outros animais por várias coisas, mas a determinante é que o homem tem capacidade de trabalho. O homem transforma o mundo, o meio que o cerca, através do trabalho, para encontrar as formas de sua sobrevivência e para amoldar o mundo conforme os seus projetos. O homem tem o poder de humanizar a natureza, enquanto os outros animais apenas recolhem o que encontram na natureza ou fazem trabalhos puramente mecânicos e repetitivos, sem criatividade – como os casos das formigas e das abelhas.

O progresso humano foi resultado do trabalho humano, embora o trabalho, nas sociedades existentes ate’ aqui, seja, um trabalho alienado, em que os trabalhadores nao possuem os meios de produção para plasmar seu trabalho conforme suas decisões conscientes. Tenham que submeter a ser explorados pelos que nao produzem, mas possuem capital suficiente para ter meios de produção que explorem o trabalho alheio.

A transformação do mundo só pode ser explicada pela evolução do trabalho humano, da capacidade humana de modificar o mundo que o cerca. O homem foi escravo da natureza durante séculos e séculos, acordava quando havia luz e dormia quando ela terminava. Era vítima inerte das catástrofes naturais.

O trabalho humano é a fonte da construção das riquezas, dos bens de que o homem dispõe. Se pudesse decidir livremente, de forma consciente e democrática, o destino do seu trabalho, o mundo seria – será – muito destino, humanizado.

No entanto, a crítica de concepções tradicionais, que buscavam reduzir todas as contradições das nossas sociedades à contradição capital-trabalho, como se as outras – de gênero, de etnias, entre outras – se resolvessem automaticamente quando fosse resolvida aquela contradição, levou à critica da centralidade exclusiva das contradições do mundo do trabalho. Afloraram contradições que sempre existiram, mas que ficaram escondidas pelas lutas dos trabalhadores contra a exploração. Surgiram os novos movimentos sociais – das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos quilombolas, das diversas formas de sexualidade, do meio ambiente, entre outros.

Ao mesmo tempo, as transformações ocorridas no mundo, com o desaparecimento do campo socialista e a expansão sem limites do capitalismo, representaram uma ofensiva brutal contra os trabalhadores e o mundo do trabalho. A simples possibilidade dos capitais de se deslocarem para qualquer lugar do mundo para explorar mão de obra nas condições mais brutais, já representa uma violência brutal contra os direitos dos trabalhadores.

O conjunto desses fatores levou à diminuição de importância do mundo do trabalho – invisibilizado pela mídia -, os próprios estudos sobre o mundo do trabalho perderam muito importância, justamente quando exigem muito mais investigação, porque as formas de exploração do trabalho se tornaram muito mais complexas e diversificadas.

Nunca como na atualidade tanta gente vive do seu trabalho, por mais heterogêneos que eles sejam. Homens e mulheres, negros, brancos, indígenas, idosos e crianças, todos trabalham. A riqueza humana continua a ser produzida pelo trabalho humano.


A maioria esmagadora da humanidade gasta grande parte do seu tempo de vida trabalhando – para enriquecer algumas outras pessoas -, a atividade do trabalho é a que ocupa a esmagadora maioria das pessoas e do seu tempo de vida. O trabalho é a atividade transversal que cruza países, classes etnias, gêneros, idades.

O trabalho precisa voltar a ganhar a centralidade que requer, sem deslocar por isso as outras contradições, mas se articulando com elas. Somente assim a grande luta contra a exploração do trabalho, a alienação do trabalho e da consciência humana, poderá avançar na luta pela emancipação humana.


DO BLOG DO EMIR - CARTA MAIOR


Operário em construção

           VINÍCIUS DE MORAES

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás
(Lucas, cap. IV, versículos 5-8).
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão,
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção,
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
 
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
– "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.

Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação.
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia.
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão.
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário.
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido,
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.


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