sexta-feira, 9 de novembro de 2012

DIÁRIO DE BORDO: CUIDADO É ATO DE TERNURA; AMOR-CÚMPLICE...

                                   Jorge Bichuetti

A chuva mansa eterniza meus sonhos... Fecunda meu coração... Me faz sonhar, acordado...
Os álamos, tão dados ao bailado do vento, parecem dormir... Talvez, sonhem... ou, então simplesmente, vigiam paternais o sono nos pequenos passarinhos que se protegem da chuva, adormecidos nos seus ninhos...
O verde das árvores dão transcendência às pequeninas rosas que, agora, cochilam...
Luinha teimou... e não resistiu...
Quis o sono prolongado... Fingiu e permaneceu quieta... aconchegada no calor dos seus brinquedos... dormia, com o olhar acordado... e sentindo minha demora... me buscou com gracejos e dengos... a abracei e ela explodiu de carinho e gratidão, vencendo a preguiça... agora, deitada nos meus pés, vigia meu ofício de algo escrever...
Me parece alegre... Não tão alegre como é a sua alegria nos dias de trabalho... Para ela, ofício verdadeiro é a clínica... Onde encontra seus amigos( e como os ama!)...
Confesso que também não acostumo muito bem com a vida nos dias que vejo longe da clínica...
Incontestavelmente, a clínica é um chamado permanente ao exercício do amor, da ética da amizade...
Quando pensamos as carências das políticas públicas de saúde, tendemos a enumerar debilidades tecnológicas... Nunca percebemos que não é possível o ato do cuidado alijado da potência dos bons encontros e das paixões alegres...
O cuidado não se efetiva sob a égide da neutralidade cinzenta da ciência dominante... fria e distante...
Cuidado é amor-cúmplice... compaixão ativa... ternura e carinho... dor partilhada e sonho inventado no entre de uma relação solidária... é vínculo, é máquina desejante, ação ativa de afirmação da vida...
O cuidado é diálogo; nunca inquérito criminal que diaboliza as chagas da vida...
O cuidado, ante a problemática das lágrimas e feridas que machucam o caminho da vida, é resistência; nunca mera resiliência que concerta o falido, restabelecendo, com remendos a vida questionada e ávida de mudanças... Toda crise é um clamor eloqüente por novos modos de andar a vida...
Nela, existem virtualidades insurgentes... Eus não-paridos; sonhos e desejos negados e não-vividos...
Presente se encontra um por-vir... um alvorecer...
Assim, ela- a crise- pede que sejamos inventores de pontes, fontes... cais e ninho... uma passagem para a potência do devir...
A impotência que rege as crises não são inerentes a estas... Nasce do nosso modo de ser hegemônico... onde o status quo de força bruta e vida de repetição são glorificados... Se sentimos impontes nas crises, assim, sentimos por termos introjetados o perigo da mudança, da desistência da lógica de vitória e acumulação, aprovação social e identificação com a mesmice... 
Ela é ousadia e profecia... Fala de diferenças que estão evitadas, negadas, não assumidas...
Neste sentido, nota-se que a vida nas crises reivindica do cuidado que este agencie uma nova suavidade...
O cuidado, deste modo, é voo e pouso que se dá no território da ternura...


2 comentários:

Josiane Souza disse...

Amigo, que bela partilha sobre o ato de cuidar. Creio também que o cuidado se faz no entre dos encontros coloridos e suaves. Penso, quando cuido, não é apenas um paciente, cliente...é meu irmão, pois juntos, de algum modo, compartilhamos o misterioso experimento da existência.
Não economizo sorrisos, nem abraços, muito menos carinho. Belo e potente é quando no ato do cuidado transmutam-se os nomes de registro e esvai-se para os apelidos do devir, e passo a ser chamada de arroz e chamo de feijão: Tchau arroz, tchau feijão. Uma mistura carinhosa e singela que alimenta a fome daqueles que buscam pelo amor antes que busquem qualquer outra coisa. Somos seres amantes em potência, e cuidar é inventar amores antes de qualquer saber ou técnica.
Amo cuidar porque cuido ao amar.
Muitas saudades!

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Josie, querido a beleza do teu escrito é a própria beleza da tua vida de teu voo na existência, prodígio do amor... vida alda nos rodopios dançantes da ternura... És o próprio encarnadona estrado. Saudades. te adoro; abraços ternos... jorge